EDUCAÇÃO ESPECIAL


A EDUCAÇÃO INFANTIL E O PROCESSO DE INCLUSÃO

Janete Schlickmann[1]



RESUMO: O presente artigo tem objetivo de contribuir para a discussão do processo da inclusão das crianças pequenas com necessidades especiais na educação infantil. Visa desenvolver em todo o grupo compreensão, aceitação e a valorização das pessoas com necessidades especiais, não só na Instituição, mas sim em seu  cotidiano familiar e social. Sabe-se que para a inclusão e o respeito às diferenças deve-se buscar diferentes mecanismos na qual se evidencie o aprendizado da alteridade que é algo fundamental para a aceitação, valorização e compromisso com todos os sujeitos. Valorizar o sujeito como sendo portador de direitos e nesta perspectiva a pessoa portadora de necessidades especiais é um sujeito que pode ser quem ele é sem que isso  afete o direito dele ser diferente.   Valorizar as diferenças individuais é algo que deve ultrapassar a fronteira do preconceito. Aceitação dos indivíduos como eles são é algo que todos devem praticar diariamente sem distinção de raça, cor, gênero e idade ou qualquer forma de discriminação. Ao se considerar o aprendizado homogêneo, muitos alunos são excluídos principalmente as crianças portadoras de necessidades especiais, e isto é um verdadeiro descaso que deforma muitas vezes a dignidade do ser humano.



Palavras chaves: Aceitação. Compromisso Valorização..


INTRODUÇÃO

Desenvolver nas crianças pequenas aceitação, compromisso e a valorização das pessoas com necessidades especiais, é algo que  se deve propor diariamente no cotidiano infantil. E para tanto sabe-se que o professor precisa buscar conhecimento amplo em todas as áreas. Não se pode cair na mesmice ou na reprodução dos erros que foram cometidos no passado. Perceber  a criança com necessidades especiais como sujeito diferente, é algo que nos remete a uma situação de alteridade.
Viver em uma sociedade inclusiva onde as diferenças sociais, culturais e individuais são utilizadas para enriquecer as interações e a aprendizagens entre os seres humanos é um desafio que deve ser buscado constantemente e sobre tudo  desta forma favorecer a inclusão social de todos os indivíduos:

(...) pelo princípio da igualdade garantida por sermos humanos, que este tenha poder, possa transpor as fronteiras, decepcionar a normalidade, escurecer  a branquitude, feminilizar a masculinidade, de ocupar espaços dantes demarcados e proibidos.” (BECHE  E SILVA, 2009, p.94)

Desta forma, inserir-se dentro de um contexto na qual “ser” diferente é algo que ultrapassa as fronteiras da “normalidade” é o mesmo que respeitar e as diferenças do eu e do outro, vivenciando assim a alteridade.
A participação de experiências coletivas  na qual vivencia-se as limitações que uma criança especial encontra ao desenvolver as atividades, jogos e brincadeiras é algo que  leva as crianças a o “exercício de alteridade é uma possibilidade de efetivar a inclusão (...)”. (BECHE  E SILVA, 2009, p.108)
            Ao vivenciar momentos em que se valorizem as diferenças humanas desde a educação infantil é algo extremamente importante para o desenvolvimento da criança em sociedade. Segundo Santos apud Fávero, Pantoja e Mantoan (2007, p.25) “Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioza; temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.” Para as crianças pequenas como para os adultos não é algo fácil estar em situações de alteridade/diversidade. Na educação infantil pode-se comprovar através da realização da atividade “montando um quebra cabeças”[2] que  não é algo fácil estar em uma situação de alteridade, pois a atividade proposta buscou o trabalho em grupo, as tentativas de resoluções de um determinado problema a forma e a tentativa deles buscarem o acerto na hora de organizar o quebra cabeças. O fato deles terem que agir por si e pelo outro foi muito instigante, pois na verdade eles ainda se encontram na fase do egocentrismo, na qual os brinquedos são todos deles, e os amigos deixam de ser seus amigos quando não emprestam um brinquedo ou outro objetos para eles.
            Neste artigo iremos abordar de como acontece à inclusão na educação infantil; de que maneira a aceitação, compromisso e a valorização  podem contribuir para o desenvolvimento integral da criança.


DESENVOLVIMENTO

Com as transformações sociais, a busca incessante da qualidade de vida e os princípios da inclusão, nos  leva a pensar em uma sociedade que seja organizada e voltada para o bem comum. Sendo assim não dá mais para permitir atitudes de preconceitos e a falta de compromisso de toda uma sociedade para o atendimento de todos os sujeitos que nela vivem.  Sabe-se que existem leis que são expressivamente claras só precisa ser cumpridas, como é o caso da Constituição Federal de 1988, art. 5º trata do direito á igualdade. E nos artigos 205 e seguintes, o direito de todos a educação.  Esse direito deve visar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, além disso, garante igualdade de condições, acesso e permanência na escola. (art.206, Inciso I).(FÁVERO, PANTOJA E MANTOAN, 2007, p. 25)
Valorizar as diferenças individuais é algo que deve ultrapassar a fronteira do preconceito. Aceitar os indivíduos como eles são é dizer que “(...) a pessoa com deficiência é sujeito, podendo ser exatamente quem é, utilizando seu potencial e exercitando o direito de ser diferente sem prejuízos ou punições.”(BECHE E SILVA, 2009, p.95). Já o compromisso a cooperação entre as crianças, famílias, comunidade é sem dúvida um grande desafio para todos que estão envolvidos na busca de uma sociedade não discriminatória e preconceituosa.
Na Educação infantil faz-se necessário a reflexão sobre as possibilidades e impossibilidades das crianças estarem vivenciando situações de alteridades e  desta forma possa entender de como as crianças portadoras de necessidades especiais  agem perante aos desafios que ocorrem no dia a dia. E desta forma o professor também poderá identificar as necessidades peculiares das crianças com deficiências.
As crianças portadoras de necessidades especiais tanto quanto as sem deficiências são únicas e singulares. Suas necessidades e especificidades não se generalizam, pois cada um é um ser único com especificidades próprias e diferentes.

Se o nosso objetivo é desconstruir esse sistema temos, então, de assumir uma po­sição contrária à perspectiva da identidade “normal”, que justifica essa falsa uniformidade das turmas escolares. A diferença é, pois, o conceito que se impõe para que possamos defender a tese de uma escola para todos.(Mantoan, 2010)

As crianças por si só, já são muito curiosas, tudo querem saber, os verdadeiros “por quês” são quase que exclusivamente seus. Então vivenciar a prática de estar no lugar do outro de forma lúdica é muito prazeroso para elas. Imagine só poder sentar-se na cadeira da criança com necessidades físicas, ou realizar uma atividade com vendas nos olhos, como as crianças cegas que não enxergam. Então precisamos de professores que se empenhem em realizar suas atividades que possam estar propiciando as crianças  estes momentos ricos em diversidade social.
A atividade “montando quebra cabeças” foi realizada com as crianças de 3 a 4 anos, a escolha desta atividade deu-se pelo fato de eu já trabalhar na educação infantil. Assim que propus a atividade para as crianças eles logos se animaram e imediatamente queriam participar demonstrando assim grande vontade em realizar a atividade proposta. No momento em que disse a elas que para montar o quebra cabeças teria que ser de uma outra forma, um pouco diferente do que eles estão acostumados a fazer, fiz então um breve relato de como seria, então percebi nos olhares das crianças um pouco de ansiedade. Dividimos as crianças em quatro grupos de cinco. E expliquei as crianças que para esta atividade uma criança de cada grupo deveria ficar com os olhos vendados e ela seria a responsável em montar o quebra cabeças, então expliquei o que seria estar com os olhos vendados. Uma das crianças logo comentou que era igual quando estamos no escuro que não dá para ver nada, concordei com ela dizendo que é isso mesmo e que não daria para ver nada.  E assim que colocou-se as vendas nas crianças as demais ficaram um pouco agitadas. Então se prosseguiu a atividade. Sendo que a outra etapa seria que uma criança de cada grupo não poderia falar. Então perguntei as crianças como podemos fazer para não falar, rapidamente uma criança diz:  _ “É só colocar a chavinha no bolso e fazer assim”, neste momento ela travou a boca para mostrar como não falar . Então concordei com ela, mas é preciso mais, então perguntei se poderia amarra uma fita na boca delas para que elas não falassem, uma das crianças disse que não queria, neste mesmo momento comentei então que era só quem quisesse amarrar a fita, e assim logo apareceu os voluntários, disse as crianças que elas não poderiam ajudar o amigo com as mãos.  As demais crianças já estavam impacientes quando disse que o próximo passo seria prender uma das mãos atrás do corpo, em uma das crianças seria a mão direita, mostrei qual seria a mão, e a outra criança seria a mão esquerda, neste momento também mostrei qual seria a mão esquerda, expliquei as crianças que elas poderiam falar e dar os comandos para a montagem do quebra cabeças, então sobrou uma criança de cada grupo, expliquei a elas que poderiam só observar o que os amigos estão fazendo, porque depois nós iríamos conversar. E aí pude perceber como é difícil para eles esse trabalho em grupo e seguir determinadas regras. Pois não conseguiam ajudar o amigo com vendas nos olhos, pois quem estava com as mãos presas atrás do corpo queria colocar a outra mão e fazer sozinho,  E quem estava com a venda na boca não poderia falar e nem usar as mãos, como foi difícil, pois eles tinham que colocar a todo momento as mãos e fazer pelo amigo com vendas nos olhos, e neste momento o professor o alertava que não poderia ajudar deste jeito e teria que ser de outra forma.  Mas o que foi muito interessante foi as observações de quem ficou de fora. Uma das crianças comentou: “_ Não dá pra brincar de quebra cabeça com o olho fechado, porque faz errado, eles não fizeram certo, ficou errado” Então disse às crianças que assim mesmo que acontecem com as crianças cegas, elas precisam então de auxílio de outro amigo, para poder falar como deve montar não é mesmo.
Esta atividade não teve um planejamento específico,  mas ela pode fazer parte do eixo norteador: “Sociedade”. E para a sua realização em princípio busquei o trabalho em grupo com as crianças, depois busquei levar as crianças a sentirem como é estar em uma situação de diferença. O aspecto mais positivo apareceu quando eles tentaram montar corretamente o quebra cabeças. Porém senti dificuldades no trabalho em grupo, pois cada um queria fazer de seu jeito sem dar chance para o outro manifestar-se. Acredito que isto aconteceu por eles não estarem acostumados a vivenciar este tipo de atividade. Penso que a realização da discussão sobre a atividade foi o que realmente realizamos com qualidade e ficou dentro das expectativas da faixa etária. Os fatores que auxiliaram para os bons resultados na realização desta atividade foi auxílio de outra professora na realização desta atividade. Não vejo problema algum em estar realizando está atividade novamente com as crianças, pois percebi que foi extremamente importante para elas. A partir desta atividade podemos perceber  que a educação intercultural evidencia-se em todos os momentos quanto ao reconhecimento do ser diferente,  a interação com o outro, a cumplicidade para com o outro, o exercício da alteridade, etc.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A  inclusão torna-se acessível a medida em que a educação se efetiva como um direito de todos. E para tanto, basta fazermos valer a lei que já existe em nosso país. Pleitear uma  educação, que possibilite o desenvolvimento integral do ser humano, respeitando suas limitações e alteridades é um direito de cada indivíduo. A escola tem obrigação de garantir uma educação que não exclua e que respeite a individualidade de cada aluno, pois as pessoas com deficiências têm possibilidades de desenvolver suas potencialidades desde que sejam respeitadas suas limitações. Segundo Beche e Silva (2009, p.107)  “As escolas  regulares oferecem um ambiente social rico no qual as interações entre pessoas com deficiência e pessoas ditas “normais” podem aprender juntas, desde que haja um trabalho pedagógico que oportunize e incentive essas trocas”
A inclusão na educação infantil deve estar ligada à cooperação e colaboração de todos os que estão envolvidos direta e indiretamente no processo educativo destes educandos com necessidades especiais. Possibilitar o acesso destas crianças na instituição de ensino é algo de suma importância para a qualidade de vida destas crianças. E em sala de aula o professor tem o dever de  exercitar a alteridade com as crianças, vivenciando desta forma a diferença como algo que é próprio do ser humano.
A inclusão é um desafio da sociedade atual que busca tornar a sala de aula um ambiente prazeroso e rico em desafios, dedicado à educação sem exclusão e sobre tudo o desenvolvimento integral da criança. Isso é um dever e uma necessidade para a construção de uma sociedade justa. Inclusão não é só um direito é uma necessidade social e um grande desafio para todos.


REFERÊNCIAS


Educação para a Diversidade e Cidadania. Módulo 4: Educação de temas específicos/ Valdo Hermes de Lima Barcelos... [et al.] – Florianópolis: MOVER/NUP/CED/EAD/UFSC, 2009

Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Acessado em 20/04/2010. Disponível em: www.planalto.gov.br/.../constituicao/constituiçao.htm

Atendimento Educacional Especializado. Aspectos Legais e Orientações Pedagógicas. Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, Luísa de Mirillac P. Pantoja, Maria Teresa Eglér Mantoan. São Paulo: MEC/SEESP, 2007.
III Seminário Nacional de Formação de Gestores E Educadores. Ensaios Pedagógicos. Educação Inclusiva: Direito A Diversidade. Inclusão Escolar – Caminhos E Descaminhos, Desafios Perspectivas. Maria Teresa Eglér Mantoan1







[1] Professora graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação: associação Catarinense de Ensino (ACE), no período de 2000 a 2004.  Com habilitação específica em Educação Infantil. Pós graduada em Séries Iniciais e Educação Infantil pela Faculdade Dom Bosco de Ubiratã no ano de 2006. Atua na Educação desde 2004.
[2] “Montando um quebra cabeças” foi uma das atividades realizada com as crianças do maternal II, esta atividade faz parte do módulo IV - Educação de Temas Específicos, do Curso Educação para a Diversidade e Cidadania promovido pela EAD/UFSC.